quinta-feira, 12 de maio de 2016

Meu filho, Germiro

A casa do Jardim Ester era uma alegria! Um sobradinho, geminado dos dois lados em um conjunto em que todas as casas tinham o mesmo projeto, com pequenas diferenças como uma entrada lateral, ou um quarto a mais...
A semelhança entre as casas me fez ficar rodando na rua mais de uma vez pensando: qual é a minha??? Mas eu acabava acertando...
E passear pelo conjunto República nunca foi um sacrifício. Era uma oportunidade de conhecer os vizinhos, de ver o Pedro fazendo um novo amiguinho. Depois passear com o "trem", o carrinho dos gêmeos, com o Pedro sentado no braço, a Isabela do outro lado...
Tenho desta casa lembranças deliciosas, apesar de ter vivido ali também alguns períodos e situações muito difíceis.
Mas era uma delícia cozinhar vendo as crianças brincando no quintalzinho. Apesar de pequeno ele comportava o varal para muitas roupas de crianças estendidas, comportava a casinha da nossa cachorra parte da família, a Nani. Comportava uma rede, que uma vez não aguentou o meu peso grávida, com o Pedro no colo e desabou no chão. Neste quintal coube uma fila de bichinhos que as crianças acharam muito importantes de se ter: Aladim, o canário; Rafaela, a coelha; Leleco, o pintinho; Ximbica, a Airdale Terrier que ensinou a Nani a caçar pombos...

Mas este quintal era habitado também por outras figuras...

De repente o jeito de dirigir a bicicleta ficava diferente... um pouco mais arrojado, meio que deixando o quadro mais inclinado. O barulho simulado ficava mais próximo de uma moto. Mas o ponto marcante era a freada. Na porta da cozinha, segurando a bike como uma moto. Retirando o capacete imaginário e dizendo com um certo sotaque nordestino, uma voz mais grossa e velha, um olhar de pessoa experiente: Pediu pizza, Dona Martha?!

Na primeira vez foi muito estranho! Aquele menino pequeno... devia ter uns cinco anos... e de repente tudo parecia transformado! Era o entregador de pizza... um entregador alegre, conversador, atencioso, sedutor apesar de respeitoso. E um entregador que conhecia a cliente, perguntava das crianças e ao mesmo tempo contava da sua vida.
Imigrante, veio do nordeste tentar a vida. Aqui conheceu e se apaixonou pela Maria, também nordestina. casou com ela e viviam muito bem juntos. Nada de filhos, que é muita responsabilidade e precisa ter dinheiro.

Gostava muito do seu trabalho:  - Ganhar dinheiro pra andar de moto e conversar com um monte de gente? É bom! Não que todos os clientes sejam assim como a senhora, que me trata bem, me respeita, se interessa... mas está até dando pra guardar um dinheiro! E depois de feita a entrega da pizza e de receber o pagamento e a gorjeta, lá se ia o Germiro para outra entrega.

Esta visita se tornou frequente. De tempos em tempos lá vinha a bicicleta/moto com o menino/homem entregando pizza! Depois de algum estranhamento me acostumei. Afinal, não era o primeiro personagem que tomava conta do André. Ele já tinha sido cachorro por bastante tempo: outra história que vale uma outra postagem em outro momento.

A marca do Germiro era a alegria! Sempre de bem com a vida. falava da Maria com amor, lembrava da família no Nordeste e dizia que estava guardando um dinheiro para ir pra lá visitá-los. Eu dava corda... queria ver até onde iria a imaginação daquele pequeno... e ia longe! Sem perder o personagem! Sem errar a voz!  E sempre divertido e alegre. Ele ficava pouco. Afinal, tinha outras pizzas pra entregar. Era só um dedo de prosa.

Um belo dia me dei conta de que o Germiro não aparecia mais. Não me lembro se tentei chamá-lo. Acho que não. Eu só respeitava o fato quando ele vinha "brincar" por conta própria. E pronto... achei que o Deco teria esquecido o Germiro.

Uma noite, eu lá fazendo o jantar, André na bicicleta no quintal... lá vem a parada de moto que era tão conhecida! Germiro voltou! Mas no gesto de tirar o capacete imaginário a expressão era outra! Triste, sério. E aí a declaração: Vim só me despedir, Dona Martha.

- O que aconteceu, Germiro?

E eu esperava qualquer resposta, menos a explicação que se seguiu:

- Estou indo embora pro nordeste, Dona Martha. Fiz a maior besteira da minha vida. Matei a Maria!

Emudeci atônita!

- Precisava agradecer a senhora por tudo que fez por mim. Por ter sido sempre boa comigo. Mas eu fiz esta besteira. Estou muito triste, mas preciso seguir com a vida. Vou embora. Quem sabe consigo tocar a vida indo pra longe... Obrigado, Dona Martha.

E lá se foi o Germiro. Triste, com a sua moto. Nunca mais voltou.




Dias tristes, momentos de decisão...

Alguns dias me parecem especialmente tristes. Dias com o céu nublado, cinza, plúmbeo, como aprendi em alguma leitura e nunca me esqueci porque foi feita justamente quando o céu me parecia especialmente de chumbo, logo depois da morte da minha mãe. Claro que o céu cinza, nublado, ameaçando uma chuva triste, tem participação no estado de espírito.

Mas será só isso? Minha tristeza não terá a ver também com os sonhos que não me lembro, mas que devem povoar as minhas noites? Não terá a ver com o meu sono, quase sempre cortado por muitos despertares? Não terá a ver com o momento de vida, em que muitos medos me assolam? Não terá a ver com esta tal desta consciência da finitude que parece chegar querendo ou não quando entramos ou nos aproximamos da terceira idade? E grita na sua cabeça que esta será a sua terceira e última etapa por aqui. 

Esse medo não é - eu penso - da morte ou do que acontece depois dela. O medo é de quando ela virá e se até lá terei dado conta de tudo. Sairei da vida para entrar na História? Não nesta História maiúscula, do Getúlio, mas na história daqueles que ficam e que interferi ou coadjuvei as vidas. Sairei sem deixar dívidas? Não só financeiras, mas muito mais que isto, dívidas emocionais...
Fiz as pazes com aqueles que queria ter feito? Dei atenção para aqueles que amo? Compreendi e deixei claro que compreendi melhor aqueles que pensam diferente de mim? Deixei meus filhos seguros do tanto que são amados e da importância que tiveram para a minha felicidade? E apesar disto, deixarei ao mundo pessoas que sabem que não são o centro do mundo e que tem responsabilidades?

Sairei sem ter dívidas comigo mesma? Conseguirei zerar o meu débito com a menina que fui, com a mulher que sou? Conseguirei nos próximos anos ser a pessoa que sou genuinamente e não a que acredito que os outros esperam que eu seja? Serei quem quero ser, mais do que quem querem que eu seja?

Quero viver bastante. Mas, como todo mundo, quero viver com qualidade de vida. E isto não significa só saúde. Algumas coisas são fundamentais!

Independência pra mim é fundamental. Não depender financeiramente de ninguém. Ser capaz de cuidar das minhas coisinhas: contas, casa, comida, eu mesma. Poder estar sozinha. Não o tempo todo, mas algum tempo. Um bom tempo.

Poder ler, escrever, cozinhar, assistir filmes, arrumar minha casa. Poder passear um pouco. Talvez umas viagens gostosas e não muito longas. Um cineminha com as amigas. Uma exposição bonita.

Dar conta de brincar e conversar com os netos. Com os filhos e sobrinhos também. Com os amigos.

Mas antes de chegar a esse momento em que me ocuparei apenas destas coisas tão pessoais e me dedicarei integralmente a minha própria vida, preciso de alguns anos ainda produtivos, que me rendam dinheiro, pra poder vir a ter esta independência. E aí me dou conta, de que preciso para isso ser fiel aos meus propósitos e princípios de sempre: só funciono se movida por acreditar no que faço! Preciso de paixão! Preciso de confiança! Preciso acreditar no que faço e considerar minhas tarefas importantes. É assim que me encontro...  

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Chama o bombeiro!!!!!!

Acho que todas as crianças são mágicas! Encantadoras e mágicas, cada uma da sua forma.

Meu filho mais velho, Pedro, teve a sua forma de encantamento e magia. Claro que por toda a infância e, fazendo algum esforço pra ver, ainda hoje...

Mas, um momento específico pareceu concentrar histórias. Duras, engraçadas, tristes, insólitas... uma combinação da ingenuidade dele com a minha preocupação, inexperiência e amor.

Em um período curto ele foi o protagonista de histórias que eu me acostumei a chamar genericamente de: Chama o bombeiro!!!! E de como nunca fui atendida em meu apelo.

Em 1992 tivemos que mudar de casa de uma hora pra outra. O apartamento onde morei por oito anos, sem nunca ter nenhum problema  com o proprietário, de repente era reivindicado. O dono tinha se profissionalizado como fiador e aquele bem era a garantia dada. Muitos tropeços, muitos furos, muitos "balões" e de repente ele queria vender rápido, antes que fosse tomado pela justiça. Apartamento com uma inquilina com um bebê seria difícil de vender, então, fora inquilina!!!

Procurando com pressa uma casa para alugar, fui morar na "Travessa do Mercadinho". Onde não tinha um mercadinho, mas eram duas ruas bifurcadas, com uma igrejinha bem na bifurcação de entrada e uma casa estranha, com entrada pelas duas ruas e completamente torta. Nada de ângulos retos! Dizem que é uma casa com arquitetura antroposófica.

Moramos nesta casa por seis meses e, pela sua arquitetura estranha, pela igreja na esquina ou porque o Pedro tinha quase dois anos e estava em um momento especial,  ou por qualquer outro motivo, muitas coisas aconteceram neste período. Muitas!!! Algumas que depois ficaram engraçadas. Todas em um primeiro momento, assustadoras!

Primeiro, uma que foi fora da casa. Saí com meus sobrinhos, meu filho e minha tia. Fomos à uma praça na frente da casa dela, em um bairro chique de São Paulo. Uma praça em Higienópolis que eu não sei por que cargas d'água, tem umas pequenas colunas neoclássicas (sei lá porque acho que são neoclássicas!) de cimento, para enfeitá-la. São baixas, pequenas, e  não tem nenhuma função. Entre duas destas coluninhas, o Pedro passou a cabeça! Aquela linda cabeça. Com a carinha mais adorável do mundo!

Quando vi já existia um clima de pânico! Minha tia já previa que a cabeça não passaria na volta... eu, calmíssima! Afinal, se foi pra frente, vai voltar e passar para atrás. Só que não! A orelha, e vamos combinar que o Pedro puxou a do pai... GRANDE!!! funcionou como trava! A cabeça ficou maior na volta do que na ida!

Eu, tranquilíssima. Afinal, ele estava respirando normalmente, eu estava ali e vendo a carinha dele, nada de pânico! Mas... o pânico do entorno contagia... e de repente a cabeça precisava sair logo! Claro... Chama o bombeiro!!! Não... não chama. Só eu acho que bombeiros podem ajudar com crianças assim como ajudam com gatinhos?!?! Ou isso é só filme americano e aqui bombeiro só apaga incêndio?

Não chamaram o bombeiro, mas outro herói apareceu! O cara da banca de frutas da Praça. Com um martelinho que destruiu as tais das coluninhas neoclássicas!. Danem-se as coluninhas!

Pouco tempo depois, em um dia de sol, de faxina na casa, de janelas abertas em um sobrado alto, quando eu estendia roupa no quintalzinho, Pedro brincando na porta da cozinha, ele fecha a porta e avisa alegre de lá de dentro:
- "Pedu feçou póta"!!!!!
Muito tranquila, respondo do outro lado:
- Fechou, Pepê? Então abre pra mamãe... constatando que ele havia trancado mesmo a porta! E aí a aflição foi aumentando... uma vez que ele só dizia com voz chorosa:
- Num "sabo", mamãe... e ficava cada vez mais choroso e falando mais baixinho... e eu do lado de foro, apavorada em tempos em que não existia celular e que eu não tinha a chave do portão pra sair do quintal.
E ele dentro de casa, com as janelas abertas. Naquela casa alta! Ai, meu Deus!!!! Que medo!

A vantagem de eu estar presa no quintal era a de que o lugar era aberto. E existia uma casa geminada, com quintal igual. Chamei a vizinha! Muitas vezes até que ela me atendeu. Meu único pedido: Por favor, liga para os bombeiros! Tem um bombeiro perto, no Peri-Peri... e ela: Não... bombeiro não é pra isto! Juro que eu tentei convencê-la. Bastante. Mas não adiantava. O Pedro não conversava mais comigo e nesta altura eu só queria que alguém desse jeito de entrar na casa e evitar que ele se machucasse.

Aí ela vem com a incrível ideia:
- Posso arrombar a porta da entrada?
- Claro! Arromba a porta, entra na casa, por favor!!!!

E lá foi ela para a rua de baixo, abrir a porta que ficava na calçada, ao lado do portão da garagem. Acho que ela não demorou muito. Eu fiquei grudada na porta da cozinha, falando com o Pedro, sem saber se ele estava ali, porque não respondia mais...

Quando abriram a porta para que eu entrasse, vi, aliviada, que ele estava escondidinho embaixo da pia. Com medo, assustado... Mas aliviado ao me ver ao seu lado. E eu agradecendo a vizinha que se negou a chamar o bombeiro, mas que deu conta de abrir a porta.

Fui acompanhá-la até a porta... com o Pedro no colo e grata...  Aí vejo o tal do arrombamento: ela derrubou minha porta a machadadas!!!!! Um machado enorme, que ela usou para cortar um terço da porta, até alcançar a maçaneta.

Quando eu vi o tamanho do machado usado só conseguia pensar no risco do Pedro ter descido e estar colado nesta porta... ela teria sido o Freddy Kruger! Ela mataria o meu nenê com uma machadada!!!! E não chamou o bombeiro!!!! E eu agradecendo a heroína...

Passamos aquela noite - Pedro e eu - sozinhos em uma casa com a porta de entrada arrombada. Gastamos na compra de outra porta um dinheiro que não tínhamos. E eu me pergunto até hoje porque tamanha resistência para se chamar o bombeiro?!?

O Pedro ainda me daria um susto bem maior. Muito mais assustador. Mas também ainda me traria fortes emoções com a sua mágica. Mas estas são outras histórias...


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Agora sim, porque Martha, irmã de Maria

Pensando sobre os motivos que me levam a escrever estas confissões, memórias, desabafos...

O que me moveu no início foi o desejo de contar mais de mim aos meus amados mais próximos. Registrar os meus sentimentos e experiências para que meus filhos, meus netos, meus amigos, pudessem ler e aproveitar alguma coisa deles. Claro que, de quebra, o desejo de que me entendessem melhor, se solidarizassem, participassem de uma forma mais próxima da minha vida.

Eu sempre rabisquei coisas e sempre quis ser mais disciplinada e frequente nestes registros. Mas nunca consegui ter confiança ou constância. Parece que o gatilho foi o Marcelo Rubens Paiva. Vi uma entrevista dele em que ele comenta que muita gente diz ter vontade de escrever ao ler seu livro "Ainda estou aqui", Fiquei bobamente surpresa! Pensei que só teria acontecido comigo. Sou uma dessas pessoas. A vontade já estava lá, mas a emoção de ler sua história, tão pessoal, escrita de uma forma tão honesta, simples, bonita e parecendo até fácil, me motivou!

Os dois primeiros textos deste blog saíram neste momento, em que eu lia o livro. Quase que ao mesmo tempo eles brotaram e foram aparecendo em palavras escritas em um "tablet", com um terrível teclado "touch". Mas foi quase incontrolável escrever e escrever... e chorar escrevendo e relendo o que tinha escrito.

Agora me cobro que outros textos apareçam da mesma forma, com a mesma emoção. Não acontece. Não é assim. Talvez eu deva reler o livro do Marcelo!

Mas, talvez sem tanta emoção, mas não com menos verdade, outras histórias se (des)constroem nas minhas memórias e pedem pra ser contadas. Ou são cobradas.

Tenho dois pedidos para contar por que o blog tem este nome: Martha, irmã de Maria. Então, vamos lá.

“ Indo eles de caminho, entrou Jesus num povoado. E certa mulher, chamada Marta, hospedou-o na sua casa.Tinha ela uma irmã, chamada Maria, e esta quedava-se assentada aos pés do Senhor a ouvir-lhe os ensinamentos. Marta agitava-se de um lado para outro, ocupada em muitos serviços. Então, se aproximou de Jesus e disse: Senhor, não te importas de que minha irmã tenha deixado que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-me. Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada.” (Lucas 10:38-42)


Esta Marta te lembra alguém? Me lembra tanto a mim mesma que eu volto a pensar no "peso dos nomes".

Há controvérsias sobre a escolha do meu nome. Quando minha mãe estava grávida do primeiro filho, havia uma certeza infundada - em tempos sem ultrasom - de que seria uma menina. Nome escolhido desde logo e de comum acordo, ela se chamaria Heloísa.

Nasceu um menino. Luiz Fernando. Nome herdado do desejo do meu avô materno, que teve três filhas e sempre esperou pelo Luiz Fernando.

Quatro anos depois, na segunda gravidez, chega a menina. Diz meu pai que quando foi fazer o registro perguntou à minha mãe qual seria o nome, certo de que seria Heloísa. E ela respondeu rapidamente: Martha. Com te-agá para distinguir do animal. A Heloísa tinha ficado no passado... esperaria trinta e quatro anos para vir.

Sendo minha mãe de uma família presbiteriana, frequentei a escola dominical e devo ter conhecido a história de Marta, irmã de Maria e de Lázaro (este mais conhecido, não é?) ainda pequena, mas será que a história me influenciou? Será que uma história bíblica ouvida pequena influenciaria tanto a personalidade de alguém? Acho que não.

Mas o fato é que eu sou esta pessoa, que corre de um lado para outro, que cuida da casa, que não escolheu a "boa parte"...

Tá certo que eu gosto tanto do serviço de casa, de ser a "dona de casa", de receber as pessoas, que penso se não é esta uma "boa parte".

Mas o fato é este: sou de uma geração de Martas. Quando entrei na faculdade, só na minha turma eramos quatro. Mas a maior parte das Martas - com teagá ou não - se identificava com o fato de ter o mesmo nome da Martha Rocha, a Miss Brasil que perdeu o Miss Universo por duas polegadas em 1954. Eu não... minha identificação ficou por conta da Marta bíblica, a irmã de Maria.  

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Abraços

Sonhei com você. Um sonho lindo. Gostoso de sonhar.

Te abracei. Te abracei em várias fases e tamanhos.

Abracei meu bebê gorducho e pequenino, que estava sempre procurando meu seio. Sempre com fome.  Abracei minha menininha risonha, que se olhava linda no espelho, fantasiada de baiana pro carnaval, ou de princesa pra ir à pré-escola. Abracei minha garotinha que descobria palavras novas a cada dia e experimentava colocá-las em lugares diferentes e daí me olhava, esperando a aprovação ou a correção.

Abracei a minha meninona, que cresceu de repente, ficou maior que os meninos que a atraiam, se sentiu feia, teve medo, mas segurou a barra. Abracei minha adolescente que desabrochava, que experimentava a primeira paixão, que não sabia ainda o que se conta ou não pra mãe... e como contar... Abracei minha jovenzinha, que se dividia em várias, pensando na escolha profissional, no futuro amoroso, nas responsabilidades que deveria assumir... abracei a minha menina que já se achava mulher... Abracei uma jovem linda, cheia de dúvidas sobre o que pensa, o que sente, como deve fazer, que reflete o tempo todo sobre todas as suas escolhas, posturas, comportamentos.

Abracei esta moça que me ensina a cada dia como é possível mudar,  como somos responsáveis pela nossa própria felicidade, como podemos contribuir com o mundo, como importam sim os nossos sentimentos e pensamentos e como uma menininha chorona pode se transformar em uma mulher tão corajosa.

E conversamos. Muito. Na linguagem infinita e que supera todos os obstáculos. Da mesma forma que converso até hoje com a minha mãe, conversei com você. Andando pelas ruas de Adelaide, vendo placas escritas em inglês, namorando vitrines, pensando no vinho para o jantar, escolhendo tomates para a salada com palmitos contrabandeados... Andamos pela praia. Conversamos olhando pro mar, vendo as ondas, ouvindo a paz do barulho marítimo. Andamos pelas nossas ruas do Butantã. Mas desviando das muito conhecidas, onde poderíamos encontrar  amigos e teríamos que abrir espaço em nossa conversa. Conversamos em silêncio.  Sem palavras. Por telepatia, talvez! Cantamos uma musica que parecia fazer todo o sentido naquele momento. Rimos. Rimos muito, como não fazíamos há tempos. Soltamos lágrimas emocionadas.

E aí você deve perguntar como eu me lembro deste sonho. Eu, que nunca me lembro do que sonhei! Tão simples... me lembro porque sonhei acordada. Porque sonho o tempo todo com estes abraços e porque os sinto.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

O peso dos nomes

Nomes que tem um significado já introjetado no inconsciente coletivo: Regina (Rainha), Vera (Verdade), Maria (a Mãe de Deus).

As Wandas que me cercavam...

Comecei a anotar isto algum tempo atrás. Não saiu disto!

Agora fiquei pensando nos nomes e nas pessoas. Engraçado, só pensei em nomes femininos e em mulheres que conheço. Alguns casos me assombraram pelas semelhanças, outros pelas diferenças.

Vera é talvez o que mais me chame atenção. É o nome da minha primeira grande amiga para sempre. Minha doce Vera. Minha irmã! Ela me escolheu e acolheu em "tempos de guerra"!

 Eu voltava à escola em que fiz o primário, depois de um período em uma "escola tradicional paulistana", de gente rica, onde fiz uma única amiga: a filha do porteiro, que estudava com bolsa. Uma amizade que também não era das mais fortes uma vez que acabou quando eu saí da escola. Nunca mais nos falamos.

 Lá, além de me sentir o patinho feio: pobre, alta, feia e desengonçada, era para os professores a irmã do Luiz Fernando. Um gênio! O aluno primeiro da classe! Promissor, inteligente, bem relacionado e respeitado. O que fazia de mim, mais uma vez, o patinho feio! Não tão inteligente, nem promissora, nem respeitada...

Minhas maiores lembranças dos anos que passei nesta escola, são dos grandes amores platônicos que cultivei - o Celinho, com sobrenome pomposo, que eu seguia de longe nos intervalos de aulas e com quem falava pelo telefone, alimentando seu ego de menino rico é bonito. Nunca tive coragem de falar com ele pessoalmente. Ele também nunca insistiu. Devia saber quem eu era e talvez tenha rido muito de mim com seus amigos igualmente ricos e bonitos.

Também desta época é a minha lembrança de esperar meu pai ir me buscar na saída da escola. Com seu fusca. Acho que ele ia sempre, já que é tão marcante a lembrança do dia em que ele me esqueceu. Voltei de ônibus. Uma aventura em um ônibus cheio e que eu não sabia ao certo onde deveria descer. Claro que perdi o ponto! Mas só por um. Andei pouco mais de um quilômetro e cheguei em casa inteira e sem ter sofrido nenhum grande trauma. Não me lembro da reação da minha mãe ou mesmo do meu pai, que em algum momento deve ter se dado conta do esquecimento. Eu deveria ter uns doze anos.

Daí também, a lembrança de ter ido fazer um trabalho na casa de uma colega: Maria Beatriz, nome também seguido de um sobrenome de família paulistana rica e quatrocentona. Não me lembro do trabalho, nem direito das meninas, mas me lembro de sentir vontade de ir ao banheiro e de ter me perdido na casa imensa! Da vergonha de não saber como voltar e de não encontrar naqueles corredores, salas, espaços, para quem perguntar...

Além disto, só o fato de decepcionar todos os meus professores de Educação Física, que viam em mim uma atleta promissora até constatarem a minha total inabilidade com uma bola!

Mas, voltamos à Vera! O início de boas lembranças, apesar dos tempos de terra arrasada...

Quando a minha mãe morreu, em agosto de 1972, o meu desconforto na escola tradicional aumentou ainda mais. Além de feia, alta, aquém da inteligência esperada, desajeitada e pobre, juntava-se mais um adjetivo, ainda mais incomum naquela faixa etária: órfã.

Comecei uma campanha em casa. Quero mudar de escola! Não! Não quero ir para um colégio interno (ideia que eu ouvia por trás das portas), não!!!! Semi-interno no colégio batista das Perdizes também não! (por algum tempo, anos depois, eu até considerei que estas ideias não eram de todo ruins). Mas, de qualquer forma, acabou prevalecendo a minha vontade: quero voltar para o Joana! Joana D'Arc, escola particular do bairro, de classe média, pertinho de casa de forma que eu iria a pé. Talvez tenha pesado também, que nos quatro anos em que eu estudei lá, o primário, eu podia não ser a bonita ou rica, mas ninguém era, e, de quebra, eu estive sempre entre as primeiras da classe.

E qual não foi a minha surpresa de que ao voltar para o Joana conheci a Vera. Ela estava na minha classe - melhor, eu entrei na dela, que tinha ido para a escola justamente quando eu saí. Ela era amiga das minhas amigas do primário que continuaram lá, ela era rica, linda e inteligente!!! Como ou até mais - para mim, com certeza, muito mais! - do que as meninas da escola anterior. A diferença? Ela não achava nada disso! Era - e continua sendo - a pessoa mais simples, humilde e generosa que eu conheci na minha vida! Ela não teve ciúmes da intrusa que voltava querendo resgatar as velhas amigas, ela não teve pena da órfã feinha que chegava querendo espaço, ela simplesmente se encarregou de abrir o espaço. Acolheu, integrou, passou inúmeras colas nas chamadas orais de verbos... Abriu os braços e me acolheu! Ampliou meu círculo de amigos, convenceu a todos de que a minha casa era um lugar legal pra se ir, me apresentou a Av. Faria Lima, o Shopping Iguatemi, o milk shake do Jigg's, abriu espaço no seu quarto para noites de conversa mais do que de sono (anos depois ela e a mãe abririam novamente a porta para me receber carinhosa e generosamente em sua casa, em novos tempos de terra arrasada), com ela fui fazer francês na Aliança e ballet clássico na Beth Lidiana. Nunca me deixou me sentir " menor", mesmo quando nesta época descobri também o seu incrível talento para as línguas e para a dança!

Ela foi a primeira pessoa que me tirou de verdade do lugar do patinho feio!!! Fico pensando agora como em tantos anos de convívio, de amizade e de amor, eu não consegui fazer o mesmo por ela! Como a minha amiga genial pode se sentir menos do que qualquer um?!?!

Voltando aos nomes, conheci algumas outras Veras. Nenhuma, nunca, como esta. Mulheres fortes, de posições muito firmes,..Todas inteligentes. Todas firmes em seus desejos. Nenhuma delas, como a Vera. Esta, é única.



segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Martha, irmã de Maria

Domingo é meu dia de escrever. Muitos capítulos de um romance ou de um diário passam pela minha cabeça. Um enorme desejo de registrá-los me toma. Mas é o dia de cozinhar. E as duas coisas são ao mesmo tempo incompatíveis e indissociáveis. Se estou cozinhando, com a mão nas facas, panelas e temperos, não tenho como escrever. Mas se não cozinho não penso em tudo que gostaria de registrar!

Todas as ideias me ocorrem. Lembranças,reflexões, emoções que me pegam de surpresa.

Penso em como o domingo é meu dia de re-significados e como é simbólico transformar uma geladeira em geral cheia e bagunçada em um espaço para abrigar sabores - e eu nunca mais ouvirei ou pensarei nesta palavra, que eu usava tão pouco, sem lembrar da Virgínia, a minha Vi, que neste ano tem me feito re-significar tanta coisa...

Tenho que confessar, com muita vergonha, que jogo comida fora. Isto acontece porque faço sempre comida esperando um ônibus para comê-la. Como fazia a minha sogra. Me desculpe, Zita, o marido é seu, mas a sogra será para sempre minha, da Bia e da Carminha (a nora preferida!). Ai, Dona Zulmira, que saudade...

Neste ano da "verticalização", a saudade dos que já foram parece ser uma constante. A descoberta da importância destas pessoas na minha vida é quase um choque e uma emoção que me pegam desprevenida. Lágrimas que nunca foram tão sinceras e tão caudalosas me arrebatam. De saudade, um pouco de tristeza por uma sensação de não ter aproveitado ao máximo a companhia, mas, especialmente, de emoção e gratidão pelo que me ensinaram.

A Dona Zulmira me deixou 4 lindos sobrinhos! O hábito de cozinhar para um ônibus, a lembrança, que às vezes me assombra, de uma mãe que defende a cria de todas as formas! Até negando que haja qualquer problema com ela. - Você que é doida! Precisa de terapia, de psicólogo!

Preciso mesmo! Viver é as vezes muito complicado. Compreender pessoas, sentimentos, contradições, medos... Sem ajuda seria mais difícil. Ou mais fácil, mas tão menos enriquecedor!

Quando criei este blog fui movida por um movimento quase compulsivo! Convencida por dois jovens muito importantes na minha vida - Nayara e Pedro - comecei pelo marthapimenta. Um jeito moderno, simples e prático de não abandonar o meu querido boletinzinho: Mix Rede Avizinhar Butantã! Mas depois achei que outros seriam igualmente importantes. Criei o avizinhar.blogspot.com e este Martha, irmã de Maria.

O primeiro para registrar as memórias, feitos e aprendizados do Avizinhar, programa da USP em que trabalhei por oito anos, com paixão. O segundo, inicialmente, pensando em registrar minhas experiências cotidianas, de dona de casa, de mãe, de profissional que equilibra, ou tenta equilibrar, múltiplas funções.

Os dois ficaram aqui. Perdidos na internet. Em branco. As vezes recebendo uma visita inexplicável. Alguém que procurou pelo Google alguma das palavras chave e caiu na página em branco.

Mas aí veio 2015. O ano da "verticalizaçao" e um desejo enorme de preencher as páginas em branco. Uma quase obrigação de fazer destes espaços virtuais espaços reais de memória. É uma busca nos domingos de cozinha em como concretizar isto.

Para o primeiro, uma consciência que amadurece a cada dia, de que não são memórias só minhas. São de muita gente que de alguma forma passou pelo Avizinhar. E eu quero compartilhar este espaço. Que todos possam contar como foi a sua experiência - boa ou ruim- provavelmente com memórias diferentes da minha, mas que me interessam tanto! Neste processo amadurece a ideia de convidar a todos para que escrevam. Ainda no processo, mas a cada dia mais concreto o desejo. Não sei no que vai dar, mas tenho até indícios de que alguns escreverão, mesmo que mais para atender o meu pedido do que porque sintam esta necessidade. Mas isto também não é lindo?!

Este aqui - o Martha, irmã de Maria - no ano da "verticalizaçao", se re-significou. Não são mais dicas de uma dona de casa - embora possa vir a ser isto também - mas, mais do que isso, são memórias, lembranças, sentimentos... Um chafurdar em meu interior...