quinta-feira, 12 de maio de 2016

Meu filho, Germiro

A casa do Jardim Ester era uma alegria! Um sobradinho, geminado dos dois lados em um conjunto em que todas as casas tinham o mesmo projeto, com pequenas diferenças como uma entrada lateral, ou um quarto a mais...
A semelhança entre as casas me fez ficar rodando na rua mais de uma vez pensando: qual é a minha??? Mas eu acabava acertando...
E passear pelo conjunto República nunca foi um sacrifício. Era uma oportunidade de conhecer os vizinhos, de ver o Pedro fazendo um novo amiguinho. Depois passear com o "trem", o carrinho dos gêmeos, com o Pedro sentado no braço, a Isabela do outro lado...
Tenho desta casa lembranças deliciosas, apesar de ter vivido ali também alguns períodos e situações muito difíceis.
Mas era uma delícia cozinhar vendo as crianças brincando no quintalzinho. Apesar de pequeno ele comportava o varal para muitas roupas de crianças estendidas, comportava a casinha da nossa cachorra parte da família, a Nani. Comportava uma rede, que uma vez não aguentou o meu peso grávida, com o Pedro no colo e desabou no chão. Neste quintal coube uma fila de bichinhos que as crianças acharam muito importantes de se ter: Aladim, o canário; Rafaela, a coelha; Leleco, o pintinho; Ximbica, a Airdale Terrier que ensinou a Nani a caçar pombos...

Mas este quintal era habitado também por outras figuras...

De repente o jeito de dirigir a bicicleta ficava diferente... um pouco mais arrojado, meio que deixando o quadro mais inclinado. O barulho simulado ficava mais próximo de uma moto. Mas o ponto marcante era a freada. Na porta da cozinha, segurando a bike como uma moto. Retirando o capacete imaginário e dizendo com um certo sotaque nordestino, uma voz mais grossa e velha, um olhar de pessoa experiente: Pediu pizza, Dona Martha?!

Na primeira vez foi muito estranho! Aquele menino pequeno... devia ter uns cinco anos... e de repente tudo parecia transformado! Era o entregador de pizza... um entregador alegre, conversador, atencioso, sedutor apesar de respeitoso. E um entregador que conhecia a cliente, perguntava das crianças e ao mesmo tempo contava da sua vida.
Imigrante, veio do nordeste tentar a vida. Aqui conheceu e se apaixonou pela Maria, também nordestina. casou com ela e viviam muito bem juntos. Nada de filhos, que é muita responsabilidade e precisa ter dinheiro.

Gostava muito do seu trabalho:  - Ganhar dinheiro pra andar de moto e conversar com um monte de gente? É bom! Não que todos os clientes sejam assim como a senhora, que me trata bem, me respeita, se interessa... mas está até dando pra guardar um dinheiro! E depois de feita a entrega da pizza e de receber o pagamento e a gorjeta, lá se ia o Germiro para outra entrega.

Esta visita se tornou frequente. De tempos em tempos lá vinha a bicicleta/moto com o menino/homem entregando pizza! Depois de algum estranhamento me acostumei. Afinal, não era o primeiro personagem que tomava conta do André. Ele já tinha sido cachorro por bastante tempo: outra história que vale uma outra postagem em outro momento.

A marca do Germiro era a alegria! Sempre de bem com a vida. falava da Maria com amor, lembrava da família no Nordeste e dizia que estava guardando um dinheiro para ir pra lá visitá-los. Eu dava corda... queria ver até onde iria a imaginação daquele pequeno... e ia longe! Sem perder o personagem! Sem errar a voz!  E sempre divertido e alegre. Ele ficava pouco. Afinal, tinha outras pizzas pra entregar. Era só um dedo de prosa.

Um belo dia me dei conta de que o Germiro não aparecia mais. Não me lembro se tentei chamá-lo. Acho que não. Eu só respeitava o fato quando ele vinha "brincar" por conta própria. E pronto... achei que o Deco teria esquecido o Germiro.

Uma noite, eu lá fazendo o jantar, André na bicicleta no quintal... lá vem a parada de moto que era tão conhecida! Germiro voltou! Mas no gesto de tirar o capacete imaginário a expressão era outra! Triste, sério. E aí a declaração: Vim só me despedir, Dona Martha.

- O que aconteceu, Germiro?

E eu esperava qualquer resposta, menos a explicação que se seguiu:

- Estou indo embora pro nordeste, Dona Martha. Fiz a maior besteira da minha vida. Matei a Maria!

Emudeci atônita!

- Precisava agradecer a senhora por tudo que fez por mim. Por ter sido sempre boa comigo. Mas eu fiz esta besteira. Estou muito triste, mas preciso seguir com a vida. Vou embora. Quem sabe consigo tocar a vida indo pra longe... Obrigado, Dona Martha.

E lá se foi o Germiro. Triste, com a sua moto. Nunca mais voltou.




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