quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Abraços

Sonhei com você. Um sonho lindo. Gostoso de sonhar.

Te abracei. Te abracei em várias fases e tamanhos.

Abracei meu bebê gorducho e pequenino, que estava sempre procurando meu seio. Sempre com fome.  Abracei minha menininha risonha, que se olhava linda no espelho, fantasiada de baiana pro carnaval, ou de princesa pra ir à pré-escola. Abracei minha garotinha que descobria palavras novas a cada dia e experimentava colocá-las em lugares diferentes e daí me olhava, esperando a aprovação ou a correção.

Abracei a minha meninona, que cresceu de repente, ficou maior que os meninos que a atraiam, se sentiu feia, teve medo, mas segurou a barra. Abracei minha adolescente que desabrochava, que experimentava a primeira paixão, que não sabia ainda o que se conta ou não pra mãe... e como contar... Abracei minha jovenzinha, que se dividia em várias, pensando na escolha profissional, no futuro amoroso, nas responsabilidades que deveria assumir... abracei a minha menina que já se achava mulher... Abracei uma jovem linda, cheia de dúvidas sobre o que pensa, o que sente, como deve fazer, que reflete o tempo todo sobre todas as suas escolhas, posturas, comportamentos.

Abracei esta moça que me ensina a cada dia como é possível mudar,  como somos responsáveis pela nossa própria felicidade, como podemos contribuir com o mundo, como importam sim os nossos sentimentos e pensamentos e como uma menininha chorona pode se transformar em uma mulher tão corajosa.

E conversamos. Muito. Na linguagem infinita e que supera todos os obstáculos. Da mesma forma que converso até hoje com a minha mãe, conversei com você. Andando pelas ruas de Adelaide, vendo placas escritas em inglês, namorando vitrines, pensando no vinho para o jantar, escolhendo tomates para a salada com palmitos contrabandeados... Andamos pela praia. Conversamos olhando pro mar, vendo as ondas, ouvindo a paz do barulho marítimo. Andamos pelas nossas ruas do Butantã. Mas desviando das muito conhecidas, onde poderíamos encontrar  amigos e teríamos que abrir espaço em nossa conversa. Conversamos em silêncio.  Sem palavras. Por telepatia, talvez! Cantamos uma musica que parecia fazer todo o sentido naquele momento. Rimos. Rimos muito, como não fazíamos há tempos. Soltamos lágrimas emocionadas.

E aí você deve perguntar como eu me lembro deste sonho. Eu, que nunca me lembro do que sonhei! Tão simples... me lembro porque sonhei acordada. Porque sonho o tempo todo com estes abraços e porque os sinto.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

O peso dos nomes

Nomes que tem um significado já introjetado no inconsciente coletivo: Regina (Rainha), Vera (Verdade), Maria (a Mãe de Deus).

As Wandas que me cercavam...

Comecei a anotar isto algum tempo atrás. Não saiu disto!

Agora fiquei pensando nos nomes e nas pessoas. Engraçado, só pensei em nomes femininos e em mulheres que conheço. Alguns casos me assombraram pelas semelhanças, outros pelas diferenças.

Vera é talvez o que mais me chame atenção. É o nome da minha primeira grande amiga para sempre. Minha doce Vera. Minha irmã! Ela me escolheu e acolheu em "tempos de guerra"!

 Eu voltava à escola em que fiz o primário, depois de um período em uma "escola tradicional paulistana", de gente rica, onde fiz uma única amiga: a filha do porteiro, que estudava com bolsa. Uma amizade que também não era das mais fortes uma vez que acabou quando eu saí da escola. Nunca mais nos falamos.

 Lá, além de me sentir o patinho feio: pobre, alta, feia e desengonçada, era para os professores a irmã do Luiz Fernando. Um gênio! O aluno primeiro da classe! Promissor, inteligente, bem relacionado e respeitado. O que fazia de mim, mais uma vez, o patinho feio! Não tão inteligente, nem promissora, nem respeitada...

Minhas maiores lembranças dos anos que passei nesta escola, são dos grandes amores platônicos que cultivei - o Celinho, com sobrenome pomposo, que eu seguia de longe nos intervalos de aulas e com quem falava pelo telefone, alimentando seu ego de menino rico é bonito. Nunca tive coragem de falar com ele pessoalmente. Ele também nunca insistiu. Devia saber quem eu era e talvez tenha rido muito de mim com seus amigos igualmente ricos e bonitos.

Também desta época é a minha lembrança de esperar meu pai ir me buscar na saída da escola. Com seu fusca. Acho que ele ia sempre, já que é tão marcante a lembrança do dia em que ele me esqueceu. Voltei de ônibus. Uma aventura em um ônibus cheio e que eu não sabia ao certo onde deveria descer. Claro que perdi o ponto! Mas só por um. Andei pouco mais de um quilômetro e cheguei em casa inteira e sem ter sofrido nenhum grande trauma. Não me lembro da reação da minha mãe ou mesmo do meu pai, que em algum momento deve ter se dado conta do esquecimento. Eu deveria ter uns doze anos.

Daí também, a lembrança de ter ido fazer um trabalho na casa de uma colega: Maria Beatriz, nome também seguido de um sobrenome de família paulistana rica e quatrocentona. Não me lembro do trabalho, nem direito das meninas, mas me lembro de sentir vontade de ir ao banheiro e de ter me perdido na casa imensa! Da vergonha de não saber como voltar e de não encontrar naqueles corredores, salas, espaços, para quem perguntar...

Além disto, só o fato de decepcionar todos os meus professores de Educação Física, que viam em mim uma atleta promissora até constatarem a minha total inabilidade com uma bola!

Mas, voltamos à Vera! O início de boas lembranças, apesar dos tempos de terra arrasada...

Quando a minha mãe morreu, em agosto de 1972, o meu desconforto na escola tradicional aumentou ainda mais. Além de feia, alta, aquém da inteligência esperada, desajeitada e pobre, juntava-se mais um adjetivo, ainda mais incomum naquela faixa etária: órfã.

Comecei uma campanha em casa. Quero mudar de escola! Não! Não quero ir para um colégio interno (ideia que eu ouvia por trás das portas), não!!!! Semi-interno no colégio batista das Perdizes também não! (por algum tempo, anos depois, eu até considerei que estas ideias não eram de todo ruins). Mas, de qualquer forma, acabou prevalecendo a minha vontade: quero voltar para o Joana! Joana D'Arc, escola particular do bairro, de classe média, pertinho de casa de forma que eu iria a pé. Talvez tenha pesado também, que nos quatro anos em que eu estudei lá, o primário, eu podia não ser a bonita ou rica, mas ninguém era, e, de quebra, eu estive sempre entre as primeiras da classe.

E qual não foi a minha surpresa de que ao voltar para o Joana conheci a Vera. Ela estava na minha classe - melhor, eu entrei na dela, que tinha ido para a escola justamente quando eu saí. Ela era amiga das minhas amigas do primário que continuaram lá, ela era rica, linda e inteligente!!! Como ou até mais - para mim, com certeza, muito mais! - do que as meninas da escola anterior. A diferença? Ela não achava nada disso! Era - e continua sendo - a pessoa mais simples, humilde e generosa que eu conheci na minha vida! Ela não teve ciúmes da intrusa que voltava querendo resgatar as velhas amigas, ela não teve pena da órfã feinha que chegava querendo espaço, ela simplesmente se encarregou de abrir o espaço. Acolheu, integrou, passou inúmeras colas nas chamadas orais de verbos... Abriu os braços e me acolheu! Ampliou meu círculo de amigos, convenceu a todos de que a minha casa era um lugar legal pra se ir, me apresentou a Av. Faria Lima, o Shopping Iguatemi, o milk shake do Jigg's, abriu espaço no seu quarto para noites de conversa mais do que de sono (anos depois ela e a mãe abririam novamente a porta para me receber carinhosa e generosamente em sua casa, em novos tempos de terra arrasada), com ela fui fazer francês na Aliança e ballet clássico na Beth Lidiana. Nunca me deixou me sentir " menor", mesmo quando nesta época descobri também o seu incrível talento para as línguas e para a dança!

Ela foi a primeira pessoa que me tirou de verdade do lugar do patinho feio!!! Fico pensando agora como em tantos anos de convívio, de amizade e de amor, eu não consegui fazer o mesmo por ela! Como a minha amiga genial pode se sentir menos do que qualquer um?!?!

Voltando aos nomes, conheci algumas outras Veras. Nenhuma, nunca, como esta. Mulheres fortes, de posições muito firmes,..Todas inteligentes. Todas firmes em seus desejos. Nenhuma delas, como a Vera. Esta, é única.



segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Martha, irmã de Maria

Domingo é meu dia de escrever. Muitos capítulos de um romance ou de um diário passam pela minha cabeça. Um enorme desejo de registrá-los me toma. Mas é o dia de cozinhar. E as duas coisas são ao mesmo tempo incompatíveis e indissociáveis. Se estou cozinhando, com a mão nas facas, panelas e temperos, não tenho como escrever. Mas se não cozinho não penso em tudo que gostaria de registrar!

Todas as ideias me ocorrem. Lembranças,reflexões, emoções que me pegam de surpresa.

Penso em como o domingo é meu dia de re-significados e como é simbólico transformar uma geladeira em geral cheia e bagunçada em um espaço para abrigar sabores - e eu nunca mais ouvirei ou pensarei nesta palavra, que eu usava tão pouco, sem lembrar da Virgínia, a minha Vi, que neste ano tem me feito re-significar tanta coisa...

Tenho que confessar, com muita vergonha, que jogo comida fora. Isto acontece porque faço sempre comida esperando um ônibus para comê-la. Como fazia a minha sogra. Me desculpe, Zita, o marido é seu, mas a sogra será para sempre minha, da Bia e da Carminha (a nora preferida!). Ai, Dona Zulmira, que saudade...

Neste ano da "verticalização", a saudade dos que já foram parece ser uma constante. A descoberta da importância destas pessoas na minha vida é quase um choque e uma emoção que me pegam desprevenida. Lágrimas que nunca foram tão sinceras e tão caudalosas me arrebatam. De saudade, um pouco de tristeza por uma sensação de não ter aproveitado ao máximo a companhia, mas, especialmente, de emoção e gratidão pelo que me ensinaram.

A Dona Zulmira me deixou 4 lindos sobrinhos! O hábito de cozinhar para um ônibus, a lembrança, que às vezes me assombra, de uma mãe que defende a cria de todas as formas! Até negando que haja qualquer problema com ela. - Você que é doida! Precisa de terapia, de psicólogo!

Preciso mesmo! Viver é as vezes muito complicado. Compreender pessoas, sentimentos, contradições, medos... Sem ajuda seria mais difícil. Ou mais fácil, mas tão menos enriquecedor!

Quando criei este blog fui movida por um movimento quase compulsivo! Convencida por dois jovens muito importantes na minha vida - Nayara e Pedro - comecei pelo marthapimenta. Um jeito moderno, simples e prático de não abandonar o meu querido boletinzinho: Mix Rede Avizinhar Butantã! Mas depois achei que outros seriam igualmente importantes. Criei o avizinhar.blogspot.com e este Martha, irmã de Maria.

O primeiro para registrar as memórias, feitos e aprendizados do Avizinhar, programa da USP em que trabalhei por oito anos, com paixão. O segundo, inicialmente, pensando em registrar minhas experiências cotidianas, de dona de casa, de mãe, de profissional que equilibra, ou tenta equilibrar, múltiplas funções.

Os dois ficaram aqui. Perdidos na internet. Em branco. As vezes recebendo uma visita inexplicável. Alguém que procurou pelo Google alguma das palavras chave e caiu na página em branco.

Mas aí veio 2015. O ano da "verticalizaçao" e um desejo enorme de preencher as páginas em branco. Uma quase obrigação de fazer destes espaços virtuais espaços reais de memória. É uma busca nos domingos de cozinha em como concretizar isto.

Para o primeiro, uma consciência que amadurece a cada dia, de que não são memórias só minhas. São de muita gente que de alguma forma passou pelo Avizinhar. E eu quero compartilhar este espaço. Que todos possam contar como foi a sua experiência - boa ou ruim- provavelmente com memórias diferentes da minha, mas que me interessam tanto! Neste processo amadurece a ideia de convidar a todos para que escrevam. Ainda no processo, mas a cada dia mais concreto o desejo. Não sei no que vai dar, mas tenho até indícios de que alguns escreverão, mesmo que mais para atender o meu pedido do que porque sintam esta necessidade. Mas isto também não é lindo?!

Este aqui - o Martha, irmã de Maria - no ano da "verticalizaçao", se re-significou. Não são mais dicas de uma dona de casa - embora possa vir a ser isto também - mas, mais do que isso, são memórias, lembranças, sentimentos... Um chafurdar em meu interior...