terça-feira, 21 de novembro de 2023

Minha vida interessante. A música.

 Minha infância foi marcada por música. Minha mãe tocava piano e cantava. Árias de ópera. Lindamente. E também canções italianas, hinos protestantes - minha família materna era presbiteriana. Naquela época não se usava o termo "evangélico" - melodias clássicas da música brasileira, que também naquela época não era conhecida como MPB.

Minha tia avó Esther, muito querida, era uma exímia pianista e tocava o "Tico Tico no Fubá" com a agilidade e talento necessários.

Meu pai cantava! Acompanhando as mulheres tão musicais. Sempre o ouvi brincando que não tinha talento nenhum, mas sua voz grave e alegre nunca me pareceu desafinada. Me lembro dele cantando "Ô leva eu, que eu também quero ir..." no carro, nas ladeiras da avenida Pompéia, e eu chorando, muito triste e irritada porque me parecia que  aquele era um pedido e que Deus o ouviria... desde aquele tempo, ainda alguns anos antes da morte da minha mãe, eu tinha muito medo de que meu pai morresse e me  deixasse. 

Nunca houve nenhuma pressão ou empenho para que meu irmão e eu seguissemos estes dons musicais. Apesar de termos piano em casa não me lembro de ter sido incentivada a tentar tocá-lo. Era um espaço da minha mãe, e da minha tia, quando nos visitava. Não era um brinquedo a ser explorado por crianças. 

No início da adolescência, acho que a meu pedido mesmo, ganhei um violão e tive algumas aulas. Acredito que tenha se comprovado aí a minha ausência de jeito, já que não fui além de "Pena Verde"...

Um pouco mais tarde, já depois de ter perdido minha mãe, resolvi fazer aulas de ballet clássico. Mesmo sem acreditar que tivesse qualquer talento, ou facilidades físicas, fiz ballet por quase oito anos e a música clássica, nos anos mais avançados tocada ao piano, teve um papel importante no meu prazer em estar lá transpirando, dolorida e as vezes sangrando. As amizades e o desafio também ajudaram bastante.

Por muitos anos ouvi muita música popular, fui a shows - me lembro de muitos no Anhembi e não consigo nem entender como eu chegava até lá! - tive artistas preferidos em várias fases e ouvia um mesmo disco - E eram mesmo discos rodando na vitrola - por dias e horas a fio. Taiguara, Silvinha Teles, Chico Buarque, Oswaldo Montenegro, Beto Guedes e todo o Clube da Esquina.... e um tanto de Beatles e Paul McCartney...  

Quando finalmente saí da casa do meu pai e fui morar em um delicioso apartamento com uma amiga - minha comadre hoje - a vitrola era o eletrodoméstico mais importante e ativo. Ouvíamos música o tempo todo e mais uma vez tive o prazer de ouvir uma soprano cantando na minha casa. Minha comadre arrasa!

Depois tive fases de música caipira, muita música infantil  quando meus filhos eram pequenos, um tantinho de rock com filho baixista, e uma curtição de fossa danada ouvindo muito Marisa Monte e Adriana Calcanhoto.

E daí parece que houve um longo período de vácuo musical. Troquei a música pela notícia, o toca CDs pelo rádio e acho que nem me dei conta disso...

Tenho sido salva recentemente por uma filho extremamente musical que mora comigo - e ouve música na caixinha amplificadora, o que faz com que eu compartilhe - e pelos concertos da Orquestra Sinfônica da USP! Que prazer tem me dado ir ao Camargo Guarnieri, aqui ao lado, e ouvir música clássica, orquestra com voz negra marcando a beleza da diversidade, orquestra com viola caipira me emocionando até as lágrimas. 

Aos poucos tenho resgatado este enorme prazer. Um show de MPB convidada pelo filho, uma mudança de estação de rádio, uma exploração pelo Spotify...

Sem dúvida, com música, a vida fica mais interessante.